domingo, 7 de julho de 2013

Com a Palavra Edição Especial por Iris de Almeida




Beaucoup pour moi 
por Iris de Almeida






   "Não se assuste pessoa, se eu lhe disser que a vida é boa".
Parece que quando a gente pisa em Paris, ela vira e grita isso. E a vontade é diluir lá, todos os dias da vida que ainda vem pela frente. 
Perguntaram pra mim, na última semana se eu já estava fazendo contagem regressiva. Respondi que sim, acho que era óbvio na minha cara, devia piscar um neon na minha testa com o número de dias que me restavam por lá. Pensei comigo "quem nasce aqui deve começar a contagem regressiva junto com o primeiro suspiro". Ao todo foram 28 dias, parecia muito, mas beaucoup mesmo é o que a gente sente, e isso não caberia só dentro dessas férias. Reverbera para sempre. 








   E eis que finalmente acordo, no primeiro dia, que diga-se de passagem, era o primeiro dia, da primeira viagem, do primeiro país além do meu, do primeiro voo enlatada, do primeiro lugar que não falava a minha língua, da primeira primavera enquanto aqui era outono. Primeiro dia com Paris na minha janela. E pra fora dela? Eu mal sabia... E nesse primeiro dia, deixei o mapa. Quis que Paris me encontrasse. E numa rota sem o menor sentido encontrei o sentido todo. Aprendi o que é "flanar". Ter uma casa e não ter, estar em casa em qualquer lugar. E nesse caleidoscópio, numa sincronia perfeita, o Sena me achou, e me achou na Pont Neuf (preferida, por causa daquele filme com a Binoche). E ali quando me virei tive certeza de que estava lá, a Torre apareceu, bem de frente pra mim. Estávamos os quatro: a ponte, o rio, a torre e eu. A ficha caiu, despencou, e acho que minha garganta vai travar sempre que lembrar disso.








   Teve tudo, mas teve a rua. Que talvez seja o mais incrível e o mais impossível de traduzir. Andar na rua, com os barulhos que ela tem ou com o fone no ouvido tocando as músicas que para sempre vão me viajar pra lá. Uma playlist linda, feita por uma amiga, com gosto conhecido, mas tom de surpresa de rádio. Valia também, colocar o fone mas não ligar o play, e discreta como os franceses, ouvir todas as conversas no metrô. Nas calçadas dos patinetes, dos carrinhos de bebês e das cacas de cachorro, tudo se fundia. Os Matisses, Renoirs, Rodins. Eles estão nas ruas, em forma de atmosfera, invisíveis, irremediavelmente perceptíveis e indispensáveis depois que entram no pulmão.










  Os dias foram passando e eu sozinha, precisava negociar só comigo mesma o que fazer com eles. E pensa que era fácil? Sentia culpa por me acostumar com a feira três vezes por semana na praça em frete de casa. Sentia uma dor de fim de amor cada vez que deixava um museu. Fiquei 7 horas no Jardim do Rodin ensolarado. Virei uma tarada por pés lá. Tive minhas primeiras aulas de museu, acompanhada de crianças de 6 anos. Ri e fiquei com medo, daquele escultor "velho barbudo". No Pompidou, Matisse me apunhalou. Todas as cores, texturas e feminilidade. Miró tamanho família. E Picasso, me encarando pelo nariz, assinado em muitas quinas. Assinaturas me bambeiam as pernas. O que a pincelada abstrai, a letra faz lembrar que é de verdade. E no Museu das Cartas e Manuscritos, tive a certeza de que Einstein, Hitchcock e Beethoven existiram. 












  Na torre eu não subi. No Louvre eu não entrei. Mas quando choveu no último dia e eu entrei naquele táxi, até o motorista sentiu. Aquele chão foi meu. Desci do carro e ganhei um abraço. Sim, o taxista me abraçou, ele viu que pelo retrovisor que no banco de trás eu também chovia. Depois de um mês eu cheguei de uma viagem sem volta e o mundo agora passa por outra janela.








*Todas as fotos deste post são de autoria de Íris de Almeida. 

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